quinta-feira, 8 de julho de 2010

Campeão no esporte e na vida

08/07/2010
Marcel Nunes - Jornal Folha do Sul (Bagé/RS - 08.07.2010)



A conquista de um objetivo não deve esbarrar nos limites físicos, mas necessita de persistência e superação. Um exemplo é o bageense Roberto Alcalde Rodrigues, de 18 anos. Radicado em Florianópolis, Santa Catarina, há mais de quatro anos é considerado um exemplo de vida, superação de obstáculos e sucesso. Vítima de uma doença constatada antes mesmo do parto, o jovem perdeu o movimento dos membros inferiores na infância, mas ultrapassou as expectativas de recuperação e tornou-se um dos maiores nomes do esporte paraolímpico brasileiro da atualidade.

A mieloningocele, mais conhecida como Spina Bífida, é uma malformação da coluna vertebral da criança, no qual dificulta a função primordial de proteção da medula espinhal, que, é o "tronco" de ligação entre o cérebro e os nervos periféricos do corpo humano. O distúrbio é caracterizado pela má formação dos ossos da espinha e pode afetar bexiga, intestinos e no caso de Rodrigues, os músculos. O irmão mais velho, Gabriel Alcalde, na época com oito anos lembra do primeiro diagnóstico sobre a real situação do irmão caçula.
- O médico nos informou que ele ia se desenvolver de forma normal até certa etapa da infância, mas, que acabaria por regredir aos poucos, até perder o movimento das pernas e se tornar cadeirante.

Filho de Diva Maria Duarte Alcalde, ex-funcionária da Universidade da Região da Campanha (Urcamp) e Luis Cirilo Viña Rodrigues, Roberto se desenvolveu e relacionou os irmãos Gabriel e Marina e, com as crianças da mesma idade até os três anos. Acompanhado por psicólogos e especialistas da área, passou por quatro cirurgias na tentativa de reverter o quadro, mas nenhuma obteve sucesso.
- Na primeira tínhamos a expectativa de estancar o problema, o que acabou não acontecendo. O desgaste e o grande risco de morte na quarta intervenção deu um fim ao período de hospitais, lembrou Gabriel.

O avanço negativo do quadro clínico fez com que fossem necessárias a utilização de bengala, andador e tala. A fisioterapia obrigatória e a natação, como meio paralelo de tratamento, não foram capazes de evitar que aos 10 anos Roberto se tornasse cadeirante. Apesar da dificuldade de locomoção e de adaptação em meio a rejeição da sociedade, a adoração por história e filosofia auxiliaram na formação do ensino fundamental, completado na Escola do Ensino Fundamental Jean Piaget.

Ares de vitória

Apesar dos avanços, um município de pequeno porte, sem infra-estrutura e os problemas familiares acabaram por culminar na mudança de ares. O destino foi Florianópolis, ilha localizada ao centro-leste do estado de Santa Catarina e com a quarta melhor qualidade de vida do país. Um verdadeiro celeiro de talentos.

A mudança de vida foi essencial para o crescimento de Roberto, a história no esporte continuava, em especial, com a natação e com o kung-fu, arte marcial que atraiu a atenção para o mundo esportivo e que, colaborava para a diminuição das fortes dores no quadril, atribuídas a mielomeningocele. Segundo Diva, a qualidade de vida e as opções para o filho cresceram no novo estado.
- Se abriu um leque de possibilidades, o que não acontecia em Bagé e acaba até por prejudicar o Roberto. A rotina entre tratamento e o computador que havia em casa, não era benéfica.

A visibilidade e a estrutura disponibilizada acabaram por contribuir com o desempenho físico e, Roberto logo começou a se destacar nas aulas de natação. O bom desempenho rendeu o primeiro convite para competições oficiais em Santa Catarina, o Maratona Aquática, em mar aberto.
- Nosso primeiro sentimento foi de preocupação, nadar em mar aberto, sem experiência, mas para a nossa surpresa ele foi muito bem desde o início, revelou Gabriel.

Aliando os treinamentos com o vídeo game, com os amigos e com o estudo, seus passatempos preferidos, o atleta bageense passou a competir em piscinas, no Circuito Loterias Caixa, organizado pela Confederação Paraolímpica Brasileira. As competições abrangem diversos estados do país e são realizadas em Brasília, Curitiba, São Paulo e Pernambuco.

Seleção e alto nível

Os bons resultados atraíram a atenção do comitê brasileiro e desde 2008, Roberto Rodrigues integra a equipe brasileira juvenil de natação paraolímpica. Competindo com as cores verde e amarelo, o bageense sagrou-se campeão mundial da categoria na modalidade nado costas e atualmente é presença confirmada na Seleção Adulto, inclusive tendo participado de junho de uma etapa do Campeonato Mundial na Alemanha.

Na oportunidade, o atleta marcou seu melhor tempo na carreira na prova de 400m, com 5'58"86, terminando na quinta colocação. Nos 100m costa, Roberto marcou o tempo de 1'39"20, ficando na oitava posição. Apesar de não ter trazido medalhas, o resultado foi considerado bastante positivo, visando os jogos Paraolímpicos em Londres, em 2012, grande objetivo da carreira.

Os grandes resultados conquistado nas piscinas são provenientes de um esforço redobrado dia-dia. Segundo Roberto, a conquista de chegar até a seleção brasileira e competir ao lado dos melhores nadadores do mundo provém de um extenso cronograma de treinamentos.
- No momento treino quase todos os dias da semana, com descanso apenas as quinta feira e aos domingos para recuperação. O treino envolve habitualmente duas horas e meia por dia, de natação e, trabalho um trabalho de força que, também é desenvolvimento na piscina.

As conquistas e o espaço conquistado na seleção parecem muito encantadores, mas ainda é pouco para quem não deixa de usufruir o direito de sonhar. Roberto acaba de ser convocado novamente para a seleção adulta que, embarca para Eindhovem, na Holanda, onde vai participar do Campeonato Mundial entre os dias 15 e 21 de agosto. O diretor técnico do comitê, Edílson Alves Tubiba, elogiou o desportista durante a convocação.
- Teremos nossos principais atletas, André Brasil e Daniel Dias, mas também outros atletas que vêm se destacando, como o Phelipe Andrews, Verônica Almeida e Edênia Garcia. Mas o mais importante é que a seleção está se renovando, com jovens talentos como o Matheus Rheine, o Talisson Glock e o Roberto Alcade.

Fora da piscina

Aliado a motivação de superar obstáculos que, Roberto renova a cada treino e vitória, a vida fora do esporte também exige o mesmo empenho dele e de seus familiares. Em busca de criar uma maior independência, ele realiza atualmente aulas de direção e deve portar em breve a careteira de habilitação.

Apesar da juventude, Roberto se mostra muito maduro quando o assunto é a deficiência física e surpreende quando fala sobre o seu pensamento em relação a possibilidade de voltar a andar que, apesar de pequena, está depositada nos estudos desenvolvidos sobre células tronco.
- Sou feliz desta forma e, caminhar não iria me tornar uma pessoa melhor. Tenho muitos sonhos que considero mais importantes, pois, existem diversas pessoas que quando adquirem uma deficiência, passam a vida toda tentando voltar a andar e assim acabam esquecendo de viver.

Acredito que tudo acontece por algum motivo, nosso dever é de fazer o máximo com o que temos e, de transformar a dificuldade em apenas mais um obstáculo para ser ultrapassado.

Conhecido nacionalmente e a caminho de uma olimpíada, Roberto não esquece suas origens e do município onde tudo começou, com os trabalhos de fisioterapia e natação. Distante a pelo menos quatro anos, o atleta faz questão de deixar uma lição de vida, de esperança e principalmente de crença àqueles que por alguma forma desistiram ou se entregaram ao ostracismo.
- Deficiente ou não, você pode conseguir tudo o que quiser, basta se dedicar sempre e dar o melhor de si. Evoluir e nunca desistir. Todos vivemos no mesmo mundo, todos temos as mesmas possibilidades, alguns com mais dificuldades, mas nada é impossível para ninguém, quanto maior é a dificuldade maior ainda se torna a vitória.

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